terça-feira, 26 de outubro de 2010

A raposa e o mocho...

Uma raposa passou por um souto e sentiu piar um mocho; disse ela para si:
«– Ceia já eu tenho.»
E, muito sorrateira, trepando pelo castanheiro em que estava piando o mocho, e filou-o.
O mocho conheceu a sorte que o esperava e viu que não podia livrar-se da raposa sem ser por ardil. Disse-lhe então:
– Ó raposa, não me comas assim como qualquer frango desses que furtas pelos galinheiros; tu também sabes apanhar aves tão fortes como eu. É preciso que todos o saibam. Agora que me vais comer, grita bem alto: «- Mocho comi!»
A raposa, levada por aquela vaidade, gritou:
– Mocho comi!
– A outro sim, que não a mim! - replicou-lhe o mocho, saindo de entre os dentes e voando pelo ar fora, livre do perigo.
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sábado, 23 de outubro de 2010

O Cego e o moço...

Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para metê-lo na sacola, e ia comendo a linguiça muito à sorrelfa. O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar com o moço:

– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o pão.

– Pela minha salvação, que não deram senão pão.

– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!

E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era ladino e disse lá para si que o cego lhas havia de pagar. Quando iam por uns campos onde estavam uns sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:

– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita ele:

– Ó rapaz do diabo! Que te racho.

Diz-lhe ele:

Pois cheira-lhe o pão a linguiça,

E não lhe cheira o sobreiro à cortiça?

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, 1883

Esta também a minha avó contava e lá em casa, cada vez que se fala em "Salta..." acrescentamos sempre "que é rego..."